sexta-feira, 16 de março de 2007

E ainda não foi neste...

Boletim da Ordem dos Advogados que saiu o meu artigo. Parece que, e apenas por razões de espaço, não foi publicado, sendo que será publicado no próximo. Pelo que, e uma vez que muitas pessoas se interessaram pelo artigo, vou publicá-lo aqui e agora:


O IMPOSTO MUNICIPAL DE IMÓVEIS E O IMPACTO DAS AVALIAÇÕES DOS PRÉDIOS URBANOS NO MEIO AMBIENTE


No seguimento da autorização legislativa concedida pela Lei nº 26/2003, de 30 de Julho, foi publicado o Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, através do qual foi levada a cabo uma vasta reforma da tributação estática do património imobiliário, a qual se traduziu na aprovação do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e do Código do Imposto do Selo (CIS), bem como de diversa legislação conexa relacionada com esta reforma, assim como da revogação de diversos dispositivos legais.

Assim, é desde logo mencionado no preâmbulo do CIMI a existência “(…) de um largo consenso acerca do carácter profundamente injusto do regime actual de tributação estática do património imobiliário.”, sendo que as razões justificativas da inadequação e da injustiça consistem na profunda desactualização das matrizes prediais e na inadequação do sistema de avaliações prediais.

Razões essas que geravam, consequentemente, situações de injustiça e de inequidade do sistema fiscal, assim como de situações sobretributação e subtributação do património imobiliário, tanto nos prédios novos como nos prédios mais antigos.

Assim, um dos objectivos deste Código foi não só promover a alteração da legislação relativa à tributação estática do património imobiliário, a qual se encontra bastante desajustada da realidade actual, mas também dotar o próprio ordenamento jurídico-fiscal de meios legais modernos e adequados à realização de avaliações de prédios as quais, e finalmente, assentem em critérios objectivos e não em critérios subjectivos.

Para tanto, e acolhendo os contributos de diversas Comissões sobre a reforma da tributação estática do património imobiliário, o legislador desenvolveu uma fórmula matemática que, e segundo a sua intenção, permite realizar uma avaliação objectiva, coerente e mais adequada à realidade actual do mercado imobiliário.
Assim, socorreu-se de diversos factores, designadamente o custo médio de construção, a localização do prédio, a sua vetustez, a qualidade e conforto do prédio edificado, a área e os coeficientes de localização.

Ao desenvolver estas regras modernas, adequadas e compatíveis com um sistema fiscal justo, o legislador terá, e de certa forma, cumprido os objectivos a que se propunha com esta reforma da tributação estática do património imobiliário.

Ou seja, e tal como refere o preâmbulo do CIMI visa-se a criação “(…) de um novo sistema de determinação do valor patrimonial dos imóveis, o de actualizar os seus valores e o de repartir de forma mais justa a tributação da propriedade imobiliária (…)”, assim como uma “(…) rápida melhoria do nível de equidade.”.

Deste modo, verifica-se que “(…) uma das principais novidades da reforma da tributação do património imobiliário, (…), prendeu-se com a instituição de um novo regime de avaliação dos imóveis o qual assentou em princípios claramente distintos dos que vigoraram até à entrada em vigor dos novos códigos.”[1].

Paralelamente, verifica-se igualmente que a nova forma de determinação do valor patrimonial “(…) assenta na aplicação de uma fórmula que tem em consideração factores ou critérios objectivos considerados determinantes na formação dos preços dos imóveis num mercado imobiliário e que deixam uma reduzida margem de discricionariedade ao avaliador.”.[2]

Ora, verifica-se assim que a criação, desenvolvimento e aplicação destas regras apenas, e durante muito tempo, cumpriu parcialmente todos os objectivos a que se propunha, sejam aqueles que se encontram mencionados no preâmbulo do CIMI, assim como os objectivos presentes nas Constituições de qualquer sociedade moderna.

Falamos do direito ao ambiente e à qualidade de vida, direito com consagração constitucional no artigo 66º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

De acordo com o disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 66º CRP, e para nos ser assegurado um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado no quadro de um desenvolvimento sustentado, cumpre ao Estado, e através de organismos próprios, assegurar que a política fiscal compatibilize o desenvolvimento com a protecção do ambiente e a qualidade de vida.

Ora, e na nossa opinião, tal compatibilização não se verificou inteiramente, e durante muito tempo, nas regras de avaliação dos prédios urbanos conforme tentaremos infra demonstrar.

Assim, verifica-se que as regras de avaliação dos prédios urbanos encontram-se previstas nos artigos 38º a 44º CIMI, sendo que, e actualmente, o valor patrimonial dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços é determinado através da seguinte fórmula matemática:

Vt = Vc * A * Ca * Cl * Cq * Cv

Em que os seus coeficientes se decompõem da seguinte forma:

Vt – Valor Patrimonial Tributário;
Vc – Valor Base dos Prédios Edificados (Artigo 39º CIMI);
A – Área Bruta de Construção mais a Área Excedente à Área de Implantação (Artigo 40º CIMI);
Ca – Coeficiente de Afectação (Artigo 41º CIMI);
Cl – Coeficiente de Localização (Artigo 42º CIMI);
Cq – Coeficiente de Qualidade e de Conforto (Artigo 43º CIMI);
Cv – Coeficiente de Vetustez (Artigo 44º CIMI).

No entanto, importa desde já referir que, e com a publicação da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, foram introduzidas algumas alterações nos coeficientes que compõem a supra referida formula de cálculo, nomeadamente com a alteração dos coeficientes relativos à área, à afectação, à qualidade e conforto e à vetustez.

Paralelamente, verificava-se que, e antes da alteração promovida pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, no artigo 43º CIMI, o investimento em equipamentos para a utilização ou aproveitamento de energias renováveis era pouco vantajoso para os sujeitos passivos, uma vez que o seu investimento não tinha qualquer reflexo no valor patrimonial dos prédios.

Por exemplo, o Código do IRS (CIRS) concede aos sujeitos passivos uma dedução à colecta de 30%, com o limite de 761,00 Euros, das importâncias dispendidas com a aquisição de equipamentos novos para utilização de energias renováveis e de equipamentos para a produção de energia eléctrica ou térmica (co-geração) por microturbinas, com potência até 100 Kw, que consumam gás natural, incluindo equipamentos complementares indispensáveis ao seu funcionamento, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 85º CIRS.

Outro exemplo encontra-se vertido no Código do IVA (CIVA), o qual prevê que os aparelhos, máquinas e outros equipamentos, exclusivos ou principalmente destinados, à captação e aproveitamento de energia solar, eólica e geotérmica, assim como de aproveitamento de outras formas alternativas de produção de energia, sejam tributados à taxa de 12%, de acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 18º CIVA.

Ora, e num momento em que as alterações climáticas estão a despertar na consciência colectiva de todos nós e a deixar uma marca indelével no cenário económico, verifica-se que o legislador não cuidou, e de forma atempada, de promover que a política fiscal compatibilizasse adequadamente o desenvolvimento económico com a protecção do meio ambiente e da qualidade de vida, em sede de tributação estática do património imobiliário, nomeadamente quanto à determinação do valor patrimonial dos prédios urbanos.

Deste modo, encontram-se discriminados no artigo 43º CIMI os elementos majorativos e minorativos de qualidade e conforto para a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos destinados a habitação, comércio, indústria e serviços, sendo que, e após a alteração promovida pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, foi introduzido como elemento minorativo o conceito de “técnicas ambientalmente sustentáveis, activas ou passivas”, que se verificam quando o prédio utiliza energia proveniente de fontes renováveis ou aproveita águas residuais tratadas ou pluviais ou ainda foi construído utilizando sistema solares passivos, nos termos do disposto na alínea o) do nº 2 do artigo 43º CIMI.

Todavia, verifica-se que o legislador não cuidou de definir de forma precisa quais são as supra referidas técnicas que integram a previsão da norma vertida na alínea o) do nº 2 do artigo 43º CIMI, assim como não cuidou de as compatibilizar com as definições já existentes no CIRS ou no CIVA, tal como supra referido, uma vez que, e a título de exemplo, para efeitos de IRS só relevam os equipamentos novos, enquanto que, e para efeitos de IMI, poderão ser utilizados equipamentos usados por forma a diminuir o valor patrimonial tributário dos prédios, isto em última análise.

Ou seja, verifica-se que, e seja através de um acto legislativo extravagante ou não ao CIMI, assim como através de instruções da própria Administração Fiscal, não existe uma definição de quais são os elementos ou mecanismos que integram o referido conceito.

Assim, e em última análise, poderão existir situações em que um mecanismo poderá ser utilizado com firmes propósitos ambientais, porém, e para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário, a Administração Fiscal poderá entender que tais mecanismos não integram a previsão da norma supra referida. Falamos por exemplo da utilização de tanques de refrigeração a gelo, estruturas para a produção de biomassa ou até a utilização de técnicas de construção amigas do ambiente.

Deste modo, e em virtude da inexistência da definição, e consequente certificação por parte dos organismos estatais devidamente competentes das técnicas ambientalmente sustentáveis, os sujeitos passivos não dispõem de informação sobre quais são ou quais não são as referidas técnicas, mas apenas o seu bom senso, assim como poderá levar a situações em que o valor patrimonial tributário seja definido de forma artificial, ou seja poderá ser definido um valor bastante superior ou bastante inferior aquele seria na realidade.

Paralelamente, importa igualmente referir que estas alterações introduzidas pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, só entram em vigor no próximo dia 1 de Julho de 2007, pelo que se poderão levantar alguns problemas.

Assim, qual deverá ser a actuação, tanto da Administração Fiscal como dos sujeitos passivos, quando estes últimos utilizaram “técnicas ambientalmente sustentáveis activas ou passivas” na edificação dos prédios ou na realização de obras de melhoramento antes da entrada em vigor destas alterações legislativas?

Ora, o artigo 13º CIMI define quais os momentos factuais em que os sujeitos passivos, utilizando uma declaração de modelo aprovado (Declaração Modelo 1 IMI), inscrevem ou actualizam as matrizes prediais e, consequentemente iniciam o procedimento tendente à definição do valor patrimonial tributário dos prédios.

Porém, e apesar do legislador ter adoptado um princípio louvável com esta alteração legislativa, não cuidou de acautelar de forma precisa e exacta quais as formas que permitissem aos sujeitos passivos que, e tendo recorrido às supra referidas técnicas antes da entrada em vigor destas alterações legislativas, possam ver o valor patrimonial tributário dos seus prédios alterado ou revisto.

Imaginemos a seguinte situação. O sujeito passivo “X” termina a edificação de um imóvel em 1 de Fevereiro de 2007, tendo instalado sistemas de recolha de águas pluviais para permitir a reutilização das mesmas ou ainda colectores solares ou painéis solares térmicos.

Ora, e nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 13º CIMI, o prazo para a entrega da Declaração Modelo 1 IMI, para efeitos de inscrição do prédio na matriz, é de 60 dias, sendo que o valor patrimonial tributário do prédio é definido com recurso às regras actualmente em vigor.

Ao passo que o sujeito passivo “Y” termina a edificação do imóvel em 1 de Junho de 2007, e utilizando as supra referidas técnicas poderá ver o valor patrimonial tributário do seu prédio mais baixo do que o do anterior sujeito passivo, pela simples razão que entregou a Declaração Modelo 1 IMI após 1 de Julho de 2007, e em consequência irá pagar um valor de IMI inferior aquele que o sujeito passivo “X” irá pagar.

Imagine-se igualmente outra situação. Um prédio está situado num condomínio fechado, o que por si só já é um elemento de majorativo do coeficiente de qualidade e conforto, e existe um equipamento comum situado fora do prédio propriedade do sujeito passivo, que utiliza às já mencionadas técnicas, por exemplo colectores solares e painéis solares térmicos, e que servem a totalidade dos condóminos.

Ora, e na nossa opinião, poderá verificar-se que, e caso o valor patrimonial tributário seja definido após 1 de Julho de 2007, poderá não beneficiar do supra referido elemento minorativo uma vez que não se refere de forma expressa ao prédio, mas antes de forma implícita, ou seja, o prédio não beneficia de forma expressa de tais mecanismos.

Assim, verifica-se que, e apesar do legislador ter finalmente adoptado coeficientes que beneficiem os sujeitos passivos que utilizem “técnicas ambientalmente sustentáveis activas ou passivas” na edificação ou nas obras de melhoramento de prédios, não acautelou nem definiu regras precisas que permitissem que estes elementos fossem aplicados aos prédios que já as possuem.

Assim, e de acordo com a nossa opinião, tal poderia suceder com uma aplicação retroactiva destes elementos até à data da entrada em vigor do CIMI, com a consequente revisão dos valores patrimoniais tributários dos prédios e dos montantes pagos a título de IMI, mediante requerimento apresentado pelos sujeitos passivos em que demonstrassem, e de forma fundada, a utilização destas “técnicas ambientalmente sustentáveis activas ou passivas” desde a entrada em vigor do CIMI e até à entrada em vigor destas últimas alterações legislativas, com a entrega de toda documentação respeitante à edificação ou às obras de melhoramento do prédio, a qual se encontra nas Câmaras Municipais, assim como, e por parte dos organismos estaduais competentes, existir um esforço sério de certificação e definição de quais são os mecanismos, elementos ou técnicas de construção que integram o conceito das supra referidas técnicas.

Não obstante esta situação, e igualmente de acordo com a nossa opinião, verifica-se que esta situação é geradora de graves situações de injustiça e de desigualdade uma vez que, e perante situações materialmente idênticas, o valor patrimonial tributário dos prédios poderá oscilar com claro prejuízo para os sujeitos passivos que investiram em técnicas ambientalmente sustentáveis antes da entrada em vigor das supra referidas alterações legislativas introduzidas pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

Paralelamente, verifica-se que, e de acordo com o disposto no nº 1 e na alínea a) do nº 3 do artigo 130º CIMI, o sujeito passivo ou qualquer titular de um interesse directo, pessoal e legítimo pode, e a todo o tempo, reclamar de qualquer incorrecção nas inscrições matriciais, nomeadamente com fundamento no facto do valor patrimonial tributário ser considerado como desactualizado.

Todavia, importa referir que, e nos termos do disposto no nº 4 do artigo 130º CIMI, caso o valor patrimonial tributário dos prédios seja determinado de forma directa só poderá ser objecto de alteração por meio de avaliação após terem decorrido três anos sobre a data do encerramento da matriz em que tenha sido inscrito o resultado daquela avaliação.

Sendo que, e no que diz respeito à produção dos efeitos da reclamação, dispõe o nº 7 do artigo 130º CIMI que só se produzirão na liquidação respeitante ao ano em que o pedido for apresentado.

Ou seja, e não obstante a solução por nós oferecida, verifica-se que o sujeito passivo poderá sempre reclamar da matriz com base no facto do valor patrimonial do prédio estar desactualizado, porém, e apesar de eventualmente o valor patrimonial tributário do prédio poder ser corrigido, esta correcção não possui quaisquer efeitos retroactivos e só pode ser exercida 3 anos após a data de encerramento da matriz, sendo por isso gerador de injustiças entre situações materialmente idênticas, tal como as supra referidas.

[1] “As novas avaliações fiscais de imóveis: como e o que contestar”, de Filipe Romão e Miguel Agrellos, publicado na Revista Vida Imobiliária nº 92, de 30 de Julho de 2005.
[2] Vide nota 1

3 Comments:

At 13:01, Blogger Márisa said...

Bem, que susto.
Não percebo nada destes assuntos. Mas os meus parabéns. Bom fim de semana

 
At 13:26, Anonymous Anónimo said...

É assim mesmo: rifa-se o raio do boletim e mais nada! :)

Não tenho tempo agora mas prometo que virei ler com toda a atenção que merece.

Bom fim de semana **

 
At 19:18, Blogger Pedro said...

Lifeyes,

Pode ser que saia na próxima edição do Boletim da Ordem dos Advogados.

Entretanto, e assim a OA perdeu uma oportunidade de ouro para dar a conhecer um assunto importante para a generalidade das pessoas.

Bom fim de semana,

Bjs

 

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