quinta-feira, 26 de outubro de 2006

A proposta de referendo: coragem ou falta dela da Assembleia da República

No passado dia 19 de Outubro foi aprovada pela Assembleia da República a proposta de referendo sobre o aborto com os votos a favor do PS, PSD e BE, sendo que o CDS-PP se absteve e o PCP e "Os Verdes" votaram contra. Com a aprovação dessa proposta foi igualmente aprovada a pergunta que irá ser feita aos Portugueses caso o Tribunal Constitucional, no exercício dos seus poderes de fiscalização preventiva da constitucionalidade, não se pronuncie pela inconstitucionalidade daquela proposta. Verificamos que se trata do segundo referendo sobre este assunto. Quanto ao primeiro, e apesar da abstenção ter sido superior a 50%, a maioria dos cidadãos eleitores que foram de facto às urnas depositar o seu voto, consciente ou incoscientemente, com ou sem ajudas, bem ou mal, decidiram pelo "não". Ora, e caso seja realizado este segundo referendo, a pergunta que irá ser feita aos Portugueses será a seguinte: "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?". Importa referir que esta proposta de referendo está associada ao projecto de lei de revisão do Código Penal apresentado pelo PS, no qual é incluído o aborto legal desde que "A pedido da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez, para preservação da integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente.". Ora, tenho de vos confessar que estou bastante indeciso sobre esta questão. Porém, respeito a posição da Igreja sobre este assunto. Através da nota pastoral publicada pela Conferência Episcopal Portuguesa no passado dia 19 de Novembro, esta instituição considera que "o aborto provocado é um pecado grave por constituir uma violação do 5º Mandamento, e pede a todos os fiéis que se empenhem neste esclarecimento de consciências.". Trata-se de defender a sua posição. Assim como respeito a posição dos defensores da despenalização do aborto. São posições perfeitamente válidas e conscientes. Porém, não entendo os conceitos que o legislador utilizou na proposta de lei de revisão do Código Penal para permitir e viabilizar o chamado conceito de "aborto legal". Integridade moral?!?! Dignidade social?!?! Maternidade consciente?!?! São conceitos demasiado vagos e abstractos que apenas irão piorar a situação. Se formos pelo conceito de maternidade consciente, e aqui incluo obviamente a paternidade consciente, deverá entender-se que, e caso um casal decida ter filhos deixa simplesmente de utilizar os meios anticoncepcionais que estiver a utilizar no momento. Agora, o que é que se deverá considerar uma maternidade consciente? O facto de não se poder proporcionar à criança que irá nascer uma boa vida? É nisso que consiste o conceito de maternidade consciente? Para mim, consiste no conceito de maternidade consciente do ponto de vista económico. Se existe dinheiro para sustentar uma criança, ela nasce. Se não existe, aborta-se simplesmente. A ser assim, é errado. O certo seria poder proporcionar à criança um ambiente familiar estável, equilibrado e harmonioso ao seu desenvolvimento físico, psíquico e emocional. Quanto à dignidade social, será apenas para justificar o "apagamento dos erros" de relações fortuitas que fazem com que existam mães solteiras? É esta a justificação do legislador para este conceito? A ser assim, é novamente errado. É claro que poderão invocar que a nossa sociedade é bastante conservadora neste aspecto das mães solteiras, que não são bem vistas do ponto de vista social na comunidade onde estão inseridas. É uma posição correcta. Porém, a sociedade e a comunidade em vez de apontar e criticar deveria apoiar quem está nessa situação. Será que o auxílio que a sociedade e a comunidade local dá é o recurso ao aborto? Se sim, é muito grave. Por fim, o conceito de integridade moral é um contrasenso grave do legislador. Como é que se poderá permitir que alguém possa abortar com base neste conceito. A ser assim, toda mulher que seja íntegra e consciente com a sua moral não permite que existam gravidezes indesejadas as quais possam levar a um aborto com base neste fundamento. Paralelamente, suponho que são esquecidas duas realidades importantes: a possibilidade de objecção de consciência por parte do médico que irá realizar o aborto, assim como o facto de, e por razões de perseguição social principalmente no interior, muitas mulheres não possam recorrer aos serviços de um estabelecimento de saúde legalmente autorizado levando, em consequência ao aborto clandestino. Quanto ao primeiro aspecto. Tanto os aqueles que defendem a despenalização do aborto, como aqueles que se opõem, esquecem-se deste aspecto. Assim, pode muito bem acontecer que o médico que se encontra na iminência de poder realizar um aborto entender, e com base na sua consciência, que a prática daquele acto médico vai contra os seus princípios. É uma situação perfeitamente possível de acontecer. E qual é a solução? Encontrar um médico que esteja disponível a realizálo, seja num estabelecimento de saúde legalmente autorizado ou não, ou então obrigar o médico objector de consciência a praticar aquele acto médico. Entendo que se deva respeitar a posição daquele profissional de saúde. Agora, e quanto ao segundo aspecto. O meu maior receio não é a realização de abortos em estabelecimentos de saúde legalmente autorizados nos grandes meios urbanos, mas antes nos do interior. Em locais onde a comunidade e a sociedade local seja reduzida, e que por isso possam penalizar socialmente a mulher que aborta. Será uma dupla penalização. Como se já não bastasse o facto de abortar, a própria comunidade censura-a do ponto de vista social pela prática do aborto. São dois aspectos sobre os quais importa reflectir, pensar e discutir, não se cingindo apenas a discussão do aborto aos conceitos tradicionais: o início da vida e o direito da mulher ao aborto. Estes dois conceitos são a base, mas existe muito mais para além destes como tentei demonstrar. Finalmente, importa esclarecer que, e com estas breves notas, não pretendo demonstrar que sou a favor ou contra a despenalização do aborto. Muito pelo contrário. Tal como supra referi, estou indeciso. Mas aquilo que pretendo é contribuir para a discussão com estes elementos que entendo que possam ser úteis.

7 Comments:

At 09:31, Anonymous Anónimo said...

Benvindo de volta à realidade... eu cada vez estou mais convicto duma coisa: não voto em referendos. É um instrumento de condução de massas e então quando se repete o assunto referendado, passa a ser um atestado de burrice.

Um grande RAUF para ti!

 
At 10:53, Blogger Joana said...

Rafeiro: atestado de burrice foi o que as pessoas passaram a si próprias quando em vez de votarem no referendo realizado há 8 anos preferiram ir até à praia.
Tenho pena de ainda viver neste país dos 3 "fs", em que a conciência cívica se resume a pagar as quotas de sócio do Benfica.
Quanto ao referendo já escrevi que acho ser um mal menor e uma alternativa mal "enjorcada" à falta de coragem do PS, tendo maioria absoluta, de alterar directamente a lei.

Pedro: concordo gerericamente com o que escreveste, mas tenho de fazer uma ressalva: a posição da Igreja é muito perigosa, sobretudo em meios mais pequenos, onde basta o padreco da zona dizer que devem todos votar contra sob pena de combustão eterna no Inferno.
Também já escrevi que acho muito estranho e duvidoso a emiscuidade da Igreja em assuntos políticos, não só porque é apenas quando lhes dá jeito (vê lá se se pronunciaram atempadamente acerca do Holocausto, e a posição quanto a questões bem mais simples, mas não menos importantes, como o uso de preservativo)mas também porque simplesmente Religião e Política devem ser 2 compartimentos estanques.

 
At 11:25, Blogger Sandra Figueiras said...

O que eu penso sobre o referendo, e mais ou menos o que pensa a Joana, ou seja ninguém neste pais tem coragem de legislar na AR sobre o assunto, então convoca-se o referendo.
Eu sou a favor da despenalização, sinceramente não sei se alguma vez conseguia fazer um aborto, mas compreendo muitas das razões que levam algumas mulheres a faze-lo. Eu digo que não sei se conseguia, porque quando estava grávida, tive de realizar uma amniocentese (por causa de umas coisitas que se via na eco), enquanto não veio o resultado foi complicado. O meu marido disse sempre que se o bebé tivesse o Sidroma de Down, a única solução era abortar, eu nunca consegui ter essa certeza. O meu filho felizmente veio com saúde e é uma criança muito amada.
Quanto à posição da Igreja, o que eu penso é o seguinte: estamos numa democracia, cada um tem direito a ter as suas ideias. mas também vivemos num estado laico (=separação de poderes entre igreja e estado), mas penso que tanto a igreja como alguns políticos se esquecem disto com frequência.

 
At 14:24, Blogger Pedro said...

Caros amigos,

Obrigado pelos vossos comentários. Porém, importa ressalvar que a posição e opinião da Igreja quanto a este assunto é tão válida como a que qualquer defensor do aborto, por mais ridícula que seja. Se vivemos em Democracia, temos de aceitar as opiniões de todos, por mais incríveis que nos pareçam.
Agora quanto à separação entre a Igreja e o Estado, permitam-me que vos recorde um episódio que rodeou o 1º referendo. Concerteza, recordam-se da posição assumida publicamente pelo Primeiro Ministro de então, o Eng. ANtónio Guterres, que não soube manter afastada a sua consciência de católico das suas funções oficiais, levando a que transmitisse uma posição negativa quanto à despenalização do aborto. Se tinha uma posição pessoal, guardava-a para si, e não a transmitia enquanto Primeiro Ministro.

Finalmente, a questão do aborto em Portugal reconduz-se apenas à sua despenalização, protecção da mulher e evitar que esta seja prsente a julgamento. São razões válidas. Mas não se reconduzem apenas a estas. A questão vai mais além. O problema é que, e principalmente os defensores da despenalização do aborto, não se referem nunca a estas. Principalmente estas que indico.

 
At 16:33, Anonymous Anónimo said...

Acho que no que respeita a este assunto o que importa, verdadeiramente, não é o facto de se ser contra ou a favor do aborto. O que realmente importa definir, a meu ver, é se a mulher tem, ou não, o direito de escolher levar a gravidez até ao fim ou não, ou se esse "direito" não é um verdadeiro direito e, como tal, não lhe deve ser reconhecido.

Como mulher, pessoalmente, não sei se seria capaz de fazer um aborto. Mas considero que essa decisão cabe ao casal e, sobretudo, à mulher. Porque, quer queiramos quer não, na nossa sociedade a maior responsabilidade respeitante aos filhos recai sobre a mulher.

É certo que este tema é bastante controverso, mas a discussão é necessária, e a decisão impõe-se.

Quanto a mim, considero que este referendo é um misto de cobardia política com auto-preservação do Governo. Com o referendo não se ferem susceptibilidades, mas também não se vai mais além. E, mais uma vez, corre-se o risco de se perder a oportunidade de encerrar o assunto de uma vez por todas.

 
At 16:46, Anonymous Anónimo said...

Sou mulher... sou mae...sou uma cidadã que paga os seus impostos...enfim como todos os Portugueses que vivem em consciencia.
Só queria e se o Pedro assim o permitir dizer o seguinte:

- legalização do aborto para que?

Para dar asas às mentes más que praticam sexo por praticar?

Não me venham com a história que as mulheres são umas sacrificadas, se o são é porque assim o querem.
Hoje em dia engravida quem quer... e esta história do referendo se for para a frente , estamos a dar mais um passo para sermos um País de burros.
Esta minha opinião não se baseia em factos religiosos mas sim cientificos, nada mais.
Engravida quem quer... continua a dizer a mesma coisa!!!

maria DaCosta

 
At 19:57, Blogger Pedro said...

Cara Maria,

Respeito as opiniões de todos os leitores deste blog, assim como as de todas as pessoas.

Ora, e como todas as pessoas já perceberam, nunca irei votar sim neste referendo porque o objectivo do mesmo é despenalizar o aborto, enquanto fim em si mesmo.

Ou seja, existem outros meios preventivos para impedir que as coisas sejam resolvidas a posteriori, seja com terem praticado sexo por praticar ou então mesmo que tenham tido todos os cuidados.

Sim, porque tendo todos os cuidados as mulheres podem engravidar. Não existe um meio anti-concepcional 100% perfeito. O único que conheço é a abstinência.

Agora, o que pretendo é que se tenha a coragem de colocar à disposição das pessoas (homens e mulheres) consultas de planeamento familiar, preservativos, a pílula, por exemplo.

Agora, despenalizar o aborto por despenalizar é só tornar ainda mais irresponsáveis os comportamentos das pessoas.

Obrigado pela visita.

Volte sempre.

Cumprimentos,

 

Enviar um comentário

<< Home