sexta-feira, 3 de novembro de 2006

O meu primeiro artigo jurídico

No passado ano lectivo fiz um pós-graduação em Gestão Fiscal, no ISCTE, (passe a publicidade), e num dos módulos sobre os Impostos sobre o Património, surgiu-me uma dúvida sobre a interprestação de um artigo do Código do IMT. Ora, e após as minhas férias de Verão, decidi-me a investigar e a escrever qualquer coisa sobre esse assunto. Se assim o pensei, melhor o fiz. Após tê-lo escrito, decidi-me a enviá-lo para o Conselho Editorial da Ordem dos Advogados para ser publicado na próxima revista. O artigo foi enviado por e-mail no início de Setembro, e quando cheguei das minhas humildes férias nas Maldivas recebo um chamada no telemóvel do fotógrafo da Revista da Ordem para tirar algumas fotos para serem colocadas no referido artigo. Ou seja, vai ser publicado para grande alegria minha. Assim, e para quem recebe a revista, o artigo sairá no próximo número. No entanto, e para aqueles que não a recebem, e têm curiosidade para ler as minhas palavras, aqui vai o texto do meu artigo, e entretanto fico à espera dos comentários:
"DA OBRIGAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DE FISCALIZAÇÃO DOS ADVOGADOS RELATIVAMENTE AO PAGAMENTO DE IMT

No seguimento do disposto no artigo 131º do Código do Imposto Municipal de SISA e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CIMSISSD) impendia sobre os notários e outros funcionários que desempenhem funções notariais uma função de fiscalização que se traduzia na obrigação de não poderem lavrar escrituras públicas sem que lhes fosse apresentado o conhecimento de SISA ou o duplicado previsto no artigo 15º – B CIMSISSD, bem como nas aquisições a que se refere o nº 21 do artigo 11º CIMSISSD, quando sujeitas ao regime fixado na regra 19ª do §3 do artigo 19º CIMSISSD, documento comprovativo do valor da avaliação efectuada pela respectiva instituição de crédito, quando fosse devida SISA ou houvesse isenção deste imposto. Assim, com a publicação da Reforma da Tributação do Património, e consequente aprovação do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), consta deste último diploma uma obrigação de fiscalização algo semelhante à supra descrita. Deste modo, dispõe o nº 1 do artigo 49º CIMT que, e quando seja devido IMT, os notários e outros funcionários ou entidades que desempenhem funções notariais não podem lavrar escrituras, nem quaisquer outros instrumentos notariais ou documentos particulares que operem a transmissão de bens imóveis, nem ainda procederem ao reconhecimento de assinaturas nos contratos previstos nas alíneas a) e b) do nº 3º do artigo 2º CIMT, sem que lhes seja apresentada a declaração referida no artigo 19º CIMT acompanhada do correspondente comprovativo da cobrança, que arquivarão, disso fazendo menção no documento a que respeitam, sempre que a liquidação deva proceder a transmissão. Ou seja, o legislador estabelece a proibição de, e enquanto o IMT não se mostrar pago, dos notários e de outras entidades com funções notariais celebrarem os seguintes negócios jurídicos e de praticarem os seguintes actos jurídicos: a) Celebração de escrituras públicas que operem a transmissão, a título oneroso, do direito de propriedade ou de outras figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis situados em território nacional; b) Reconhecimento de assinaturas nos contratos promessa de compra e venda de bens imóveis ou sua celebração, logo que se verifique a tradição para o promitente comprador, ou quando este esteja usufruindo os bens, excepto se se tratar de aquisição de habitação para residência própria e permanente do adquirente ou do seu agregado familiar e não ocorra qualquer das situações previstas no nº 3 do artigo 2º CIMT; c) Reconhecimento de assinaturas em contratos de arrendamento ou sua celebração nos quais conste a cláusula de que os bens arrendados se tornam propriedade do arrendatário depois de satisfeitas todas as rendas acordadas; d) Reconhecimento de assinaturas em contratos de arrendamento ou de subarrendamento a longo prazo ou sua celebração, considerando-se como tais os que devam durar mais de 30 anos; e) Reconhecimento de assinaturas de contratos promessa de compra e venda de bens imóveis ou sua celebração nos quais conste uma cláusula que permita a cessão da posição contratual a terceiro; f) Reconhecimento de assinaturas em contratos de cessão de posição contratual a terceiros ou sua celebração no exercício do direito conferido por contrato promessa de compra e venda referido no ponto imediatamente anterior; g) Outorga de procurações ou sua celebração que confiram poderes de alienação de bens imóveis em que, e por renúncia ao direito de revogação ou cláusula de natureza semelhante, o representado deixe de poder revogar a procuração; h) Outorga de instrumento com substabelecimento de procuração com os poderes e efeitos previstos no número imediatamente anterior; i) Por fim, a cedência da posição contratual ou ajuste de revenda por parte do promitente comprador num contrato promessa de compra e venda, vindo o contrato definitivo a ser celebrado entre o promitente vendedor originário e um terceiro. No entanto, e ainda durante a vigência do CIMSISSD, foi publicado o Decreto-Lei nº 237/2001, de 30 de Agosto. Este diploma, e prosseguindo fins de desburocratização do sistema do notariado português mediante a simplificação e redução do número de actos que carecem de certificação notarial, permite que os reconhecimentos com menções especiais e a tradução ou a certificação da tradução seja feita por advogados e a outras entidades. Ou seja, e de acordo com o disposto no nº 5 do referido Decreto-Lei, era permitido aos advogados e a outras entidades efectuarem reconhecimentos com menções especiais, por semelhança, nos termos do Código do Notariado, sendo que, e em termos de força probatória, estes actos teriam a mesma força se tivessem sido realizados ou praticados com intervenção notarial. Assim, e na esteira deste Decreto-Lei, os advogados e a outras entidades apenas poderiam efectuar os reconhecimentos previstos no nº 1 e no nº 3 do artigo 153º do Código do Notariado. Porém, e com a publicação do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, foi, e no seu artigo 38º, alargado o regime dos reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documentos. Pelo que, e à luz deste novo regime, é permitido aos advogados e a outras entidades efectuar reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial. Tal como era referido no Decreto-Lei nº 237/2001, de 30 de Agosto, o legislador cuidou igualmente de garantir que os reconhecimentos efectuados pelas entidades já referidas beneficiassem da mesma força probatória se fossem praticados ou realizados com intervenção notarial. Não obstante o supra exposto, importa desde já conferir se, e nos termos do já mencionado artigo 49º CIMT, os advogados são ou não considerados como entidades que desempenham funções notariais. Dispõe o artigo 1º do Código do Notariado (CN) que a função notarial se destina a dar forma legal e a conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais, sendo que o notário poderá assessorar as partes na expressão da sua vontade negocial. Ou seja, a função notarial traduz-se, assim, numa função do Estado que é a de “(…) prosseguir o interesse público de dar forma legal e de conferir autenticidade aos actos jurídicos extrajudiciais.”[1]. Em sentido idêntico, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que “VI – A função notarial destina-se essencialmente, a dar forma, e a conferir autenticidade e veracidade aos actos jurídicos extrajudiciais.”[2]. Sendo que, e de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 2º CN, o órgão próprio, e por excelência, do exercício da função notarial é o Notário. Porém, o nº 1 do artigo 3º CN indica que, e excepcionalmente, é possível a órgãos especiais desempenharem funções notariais, nos termos supra descritos. Assim, e excepcionalmente, poderão desempenhar funções notariais, dentre outras entidades, aquelas a que a lei atribua, em relação a certos actos, a competência dos notários. Sendo que, e nos termos do nº 1 do artigo 4º CN, a competência dos notários consistirá na redacção do instrumento público conforme a vontade das partes, a qual deve indagar, interpretar e adequar ao ordenamento jurídico, esclarecendo-as do seu valor e alcance, enquanto que lhe competirá igualmente a prática de certos e determinados actos em concreto, os quais se encontram discriminados a título exemplificativo no nº 2 do referido artigo 4º. Assim, competirá ao notário exarar termos de autenticação em documentos particulares ou de reconhecimento da autoria da letra com que esses documentos estão escritos ou das assinaturas nele apostas, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, entre outras actos da sua competência. Assim, e desde logo, podemos tirar uma conclusão. O regime previsto no Decreto-Lei nº 237/2001, de 30 de Agosto, e agora no artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, traduz-se num regime legal atribuído pela Lei aos advogados e a outras entidades para a prática de certos e determinados actos cuja competência é dos notários. Pelo que, entendemos que, e nos termos do disposto no nº 1 do artigo 1º e da alínea d) do nº 1 do artigo 3º ambos do CN e do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, os advogados devem ser considerados como entidades, as quais, e atento a letra e o espírito da norma contida no artigo 49º CIMT, que praticam ou desempenham funções notariais. Deste modo, e atento o supra exposto, imaginemos a seguinte situação: O gerente da sociedade “X, Lda” desloca-se ao escritório de um advogado para este efectuar um reconhecimento da assinatura daquele, e enquanto gerente na referida sociedade, num contrato promessa de compra e venda de uma fracção autónoma com uma cláusula onde seja permitido ao promitente adquirente ceder a sua posição contratual a um terceiro. Ora, e quanto à incidência objectiva, verificamos que, e nos termos do disposto no nº 1 do artigo 2º CIMT, o IMT incidirá sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional. Pelo que, e nos termos do disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 2º CIMT, considerar-se-á que existirá lugar a transmissão onerosa, nos moldes supra referidos, quando se verificar a outorga de um contrato promessa com uma cláusula a permitir a cessão da posição contratual do promitente comprador a um terceiro. Assim, e em termos de incidência subjectiva, verifica-se que o imposto é devido pelo promitente adquirente, e por cada um dos sucessivos promitentes adquirentes, não lhe sendo aplicável qualquer taxa ou redução de taxa, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 4º CIMT. Ora, poder-se-á perguntar quando nasce a obrigação tributária para o promitente comprador liquidar e pagar o IMT. Essa resposta é-nos dada pelo artigo 5º CIMT. Assim, o nº 2 do artigo 5º CIMT diz-nos que a obrigação tributária constitui-se no momento em que ocorrer a transmissão. Assim, verifica-se que a obrigação tributária do promitente comprador nasce e constitui-se no momento em que ocorrer a transmissão, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 5º CIMT. Ou seja, a obrigação tributária nasce no momento em que o contrato promessa de compra e venda de uma fracção autónoma em que está prevista a possibilidade de cessão da posição contratual do promitente adquirente é outorgado, de acordo com o disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 2º e do nº 2 do artigo 5º CIMT. Sendo que o valor do IMT a pagar será calculado nos termos previstos na regra 18ª do nº 4 do artigo 12º CIMT. Ou seja, o imposto incidirá apenas sobre a parte do preço paga pelo promitente comprador ou pelo cessionário ao cedente, sendo que, e caso sejam efectuados reforços ao sinal anteriormente pago e entregue ao promitente vendedor, deverão ser efectuadas liquidações adicionais de IMT. Não obstante a possibilidade conferida pelo nº 3 do artigo 22º CIMT de, e caso o contrato definitivo (escritura pública de compra e venda da fracção autónoma prometida vender) ser celebrado com um dos contraentes previstos na alínea a) do nº 3 do artigo 2º CIMT que já tenha pago parte ou a totalidade do imposto, só haver lugar a liquidação adicional quando o valor que competir à transmissão definitiva for superior ao que serviu de base à liquidação anterior, procedendo-se, todavia, à anulação parcial ou total do imposto se o comprador beneficiar de redução ou isenção de taxa. Outra questão será o facto o momento em que o IMT deverá ser liquidado e pago. Ora, já sabemos que a obrigação tributária nasce no momento em que se verifica a transmissão, pelo que, e atento o disposto no nº 2 do artigo 22º CIMT, e caso se verifique a transmissão onerosa consubstanciada na celebração de um contrato promessa de compra e venda nos moldes supra referidos, o imposto é liquidado antes da celebração do referido contrato e pago nos prazos previstos no nº 1 do artigo 36º CIMT. Porém, entendemos que existe uma imprecisão cometida pelo legislador que é a relativa ao momento do nascimento da obrigação tributária e ao momento da liquidação do IMT. Ora, e tal como supra exposto, a obrigação tributária nasce no momento da transmissão, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 5º CIMT, e que a transmissão nos moldes supra referidos ocorre com a outorga do supra referido contrato promessa, de atento o disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 2º CIMT. Porém, a liquidação do IMT deverá ocorrer antes da celebração do referido contrato e ser paga no próprio dia da liquidação ou no 1º dia útil seguinte, sob pena de esta ficar sem efeito, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 22º e do nº 1 do artigo 36º CIMT. Estamos em crer que se poderá tratar de um lapso ou imprecisão do legislador quanto à definição temporal do momento do nascimento da obrigação tributária e do momento da liquidação do IMT, porém “A imaginação jurídica por vezes resvala o delírio…, dirse-á”[3]. Não obstante este facto, e de acordo com o supra exposto, verifica-se que os advogados são entidades que, e atento a norma contida no nº 1 do artigo 49º CIMT desempenham e praticam funções notariais. Assim, e tendo por base a hipótese acima descrita, verifica-se que o advogado ao reconhecer a assinatura feita pelo gerente da sociedade “X, Lda”, e na qualidade de representante da mesma, deverá exigir o documento comprovativo da liquidação e do respectivo documento de cobrança. Mutatis mutandis no caso do contrato promessa de compra e venda de uma fração autónoma onde conste uma clausula onde seja permitido ao promitente comprador ceder a sua posição contratual a um terceiro seja outorgado por pessoas singulares. Porém, esta obrigação de cooperação e de fiscalização traz alguns problemas aos advogados. Desde logo, o arquivamento do documento de cobrança, tal como exige o nº 1 do artigo 49º CIMT, bem como a transmissão desses elementos à Direcção Geral dos Impostos. Ora, estes problemas não são resolvidos pelo CIMT, nem por qualquer outra disposição legal posterior à entrada em vigor do CIMT. Pelo que, e atendendo a razões benéficas de desburocratização do sistema do notariado português, criaram-se todavia outros problemas burocráticos que irão prejudicar esses fins. [1] Acórdão do Tribunal de Conflitos de 25/09/2003, proferido no âmbito do processo nº 03/03 (http://www.dgsi.pt/) [2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10/12/1998, proferido no âmbito do processo nº 039530 (http://www.dgsi.pt/) [3] Corte-Real, Carlos Pamplona , “Direito da Família e das Sucessões – Volume II – Sucessões”, Lisboa, Lex Edições Jurídicas, 1993."

3 Comments:

At 17:04, Anonymous Anónimo said...

Os meus parabéns. O artigo tem muito interesse e ainda bem que vai ser publicado no BOA.
Confesso que tenho as maiores dúvidas sobre o exercício deste tipo de funções pelos advogados, atentos os deveres deontológicos específicos que sobre nós impendem, designadamente em matéria de sigilo profissional.
Que tal desenvolver esse aspecto num próximo artigo? :-)

 
At 12:49, Anonymous Anónimo said...

tá muito bom!!!!!!! parabéns
já tenho a revista!!
Sim senhor!!!
Podes continuar.

PS - já agora, e sobre o imposto de selo sobre os actos que podemos praticar à luz do 76-A/2006???

beijos

 
At 13:08, Anonymous Anónimo said...

pois é.
afinal até é dificil. Não basta a lei dizer que também somos notários. é preciso praticar actos notariais. e para isso é preciso dominar direito civil, comercial, notarial, registral, fiscal, administrativo, das sucessões, de familia.
O problema que põe para os notários não existe, é efectivo e básico. Se chega alguém para reconhecer assinaturas em contratos do género dos que nomeou exige-se o comprovativo de liquidação de IMT e arquiva-se. Ponto final.
Quanto ao que diz da lei burocratizar é bom também que outros profissionais sintam na pele a dificuldade dos notários. è que parece que são estes que fazem a lei a ser cumprida.
Quanto ao facto dos actos poderem ser praticados por outros, não tenho nada contra. Vence a profissionalização e quem presta o serviço mais rápido e mais barato.
Mas depois não se queixem dos cartórios disponibilizarem serviços tradicionalmente feitos aprnas por advogados e solicitadores. E não digam que não avisei.....

 

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