domingo, 24 de setembro de 2006

E ainda certas questões colaterais ao Procurador

Na passada sexta feira, dia 22 de Setembro, foi publicada uma notícia no jornal "Público", dando conta da indignação e da revolta do Bloco de Esquerda quanto à recusa do Partido Socialista em ouvir o actual Procurador Geral da República, o Dr. Souto Moura, na Assembleia da República, relativamente à questão do famoso inquérito "Envelope 9". Ora, e na minha humilde opinião, entendo que o Procurador Geral da República não tem nada que dar explicações à Assembleia da República sobre um inquérito penal concreto, e ainda para mais neste momento uma vez que ainda está em curso. Mas adiante explicarei as razões legais que assistem a esta recusa, as quais têm a ver apenas com a questão de segredo de justiça. Mas primeiro as razões políticas. Com a recusa da audição do Procurador na Assembleia da República, o Bloco de Esquerda, na pessoa do deputado Fernando Rosas, acusou o Partido Socialista de ter dado "uma verdadeira bofetada nas instituições democráticas", sendo que a "A Assembleia da República não devia permitir esta verdadeira bofetada nas instituições democráticas". Ora, que afirmações ridículas, mas vindas de quem vêm não me surpreende nada. Mas, enfim... Como é que se pode permitir que um deputado se esconda perante o pedido efectuado pelo anterior Presidente da República de explicações rápidas sobre este assunto, e exija a presença do Procurador para dar conta das evoluções do caso "Envelope 9". Será simples curiosidade ou então a oportunidade de tirar nabos da púcara política e ter mais alguns minutos de protagonismo? Se for simples curiosidade, poderá esperar mais uns tempos e ir consultar o processo na secretaria do Tribunal. Mas, e se for a segunda hipótese, devo já avisá-lo que o seu comportamento é verdadeiramente inqualificável, visto que é mais uma tentativa de politizar a justiça Portuguesa. Mas já começamos a estar habituados a estas pequenas questões ridículas e já nem ligamos. Ora, o anterior Presidente da República, como advogado que é, conhece as Leis da República e sabe que um inquérito segue os seus termos até final, termos esses que duram o tempo necessário para recolher prova sobre a alegada prática de um crime, sendo que, e neste caso, o inquérito durou o tempo máximo permitido pela lei processual penal, tendo terminado com a dedução da competente acusação. É claro que o conceito de urgência é sempre relativo para todo nós, mas, e na minha opinião, o deputado Fernando Rosas não se pode esquecer que o inquérito durou este tempo todo porque os arguidos interpuseram inúmeros recursos para impedir que o Ministério Público pudesse analisar o conteúdo dos computadores apreendidos na redacção do jornal "24 Horas". Ou preferia que os arguidos não exercessem os seus direitos e permitissem que as decisões do Ministério Público não fossem sindicadas por um Juiz. É que se assim fosse, o inquérito já estaria terminado há muito e se calhar o processo até já estaria a ser julgado. Provavelmente, o deputado não quereria isto, pois não? Pelo que lhe peço, deixe a justiça seguir o seu curso e não a tente condicionar de um ponto de vista político. Agora, e quanto às razões legais. O artigo 86º do Código do Processo Penal regula as questões relacionadas com a publicidade do processo e o segredo de justiça. Ora, o seu nº 1 dispõe que o processo penal é, sob pena de nulidade, público, a partir da decisão instrutória ou, se a instrução não tiver lugar, do momento em que já não pode ser requerida. Isto significa que, e enquanto o processo não for público, continua a vigorar o segredo de justiça sobre todos os participantes processuais, incluindo o Ministério Público, na pessoa do Procurador Geral da República. Assim, e por muito que custe ao deputado Fernando Rosas, o Procurador Geral da República está vinculado ao segredo de justiça e como tal não pode divulgar nada sobre esse processo, pelo que a sua deslocação à Assembleia da República seria completamente inútil porque ele não poderia falar sobre nada do processo, incluindo sobre as suas evoluções.