E ainda questões relacionadas com o próximo referendo
O escritório onde toda a gente sabe o nosso nome...
No passado dia 19 de Outubro foi aprovada pela Assembleia da República a proposta de referendo sobre o aborto com os votos a favor do PS, PSD e BE, sendo que o CDS-PP se absteve e o PCP e "Os Verdes" votaram contra. Com a aprovação dessa proposta foi igualmente aprovada a pergunta que irá ser feita aos Portugueses caso o Tribunal Constitucional, no exercício dos seus poderes de fiscalização preventiva da constitucionalidade, não se pronuncie pela inconstitucionalidade daquela proposta. Verificamos que se trata do segundo referendo sobre este assunto. Quanto ao primeiro, e apesar da abstenção ter sido superior a 50%, a maioria dos cidadãos eleitores que foram de facto às urnas depositar o seu voto, consciente ou incoscientemente, com ou sem ajudas, bem ou mal, decidiram pelo "não". Ora, e caso seja realizado este segundo referendo, a pergunta que irá ser feita aos Portugueses será a seguinte: "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?". Importa referir que esta proposta de referendo está associada ao projecto de lei de revisão do Código Penal apresentado pelo PS, no qual é incluído o aborto legal desde que "A pedido da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez, para preservação da integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente.". Ora, tenho de vos confessar que estou bastante indeciso sobre esta questão. Porém, respeito a posição da Igreja sobre este assunto. Através da nota pastoral publicada pela Conferência Episcopal Portuguesa no passado dia 19 de Novembro, esta instituição considera que "o aborto provocado é um pecado grave por constituir uma violação do 5º Mandamento, e pede a todos os fiéis que se empenhem neste esclarecimento de consciências.". Trata-se de defender a sua posição. Assim como respeito a posição dos defensores da despenalização do aborto. São posições perfeitamente válidas e conscientes. Porém, não entendo os conceitos que o legislador utilizou na proposta de lei de revisão do Código Penal para permitir e viabilizar o chamado conceito de "aborto legal". Integridade moral?!?! Dignidade social?!?! Maternidade consciente?!?! São conceitos demasiado vagos e abstractos que apenas irão piorar a situação. Se formos pelo conceito de maternidade consciente, e aqui incluo obviamente a paternidade consciente, deverá entender-se que, e caso um casal decida ter filhos deixa simplesmente de utilizar os meios anticoncepcionais que estiver a utilizar no momento. Agora, o que é que se deverá considerar uma maternidade consciente? O facto de não se poder proporcionar à criança que irá nascer uma boa vida? É nisso que consiste o conceito de maternidade consciente? Para mim, consiste no conceito de maternidade consciente do ponto de vista económico. Se existe dinheiro para sustentar uma criança, ela nasce. Se não existe, aborta-se simplesmente. A ser assim, é errado. O certo seria poder proporcionar à criança um ambiente familiar estável, equilibrado e harmonioso ao seu desenvolvimento físico, psíquico e emocional. Quanto à dignidade social, será apenas para justificar o "apagamento dos erros" de relações fortuitas que fazem com que existam mães solteiras? É esta a justificação do legislador para este conceito? A ser assim, é novamente errado. É claro que poderão invocar que a nossa sociedade é bastante conservadora neste aspecto das mães solteiras, que não são bem vistas do ponto de vista social na comunidade onde estão inseridas. É uma posição correcta. Porém, a sociedade e a comunidade em vez de apontar e criticar deveria apoiar quem está nessa situação. Será que o auxílio que a sociedade e a comunidade local dá é o recurso ao aborto? Se sim, é muito grave. Por fim, o conceito de integridade moral é um contrasenso grave do legislador. Como é que se poderá permitir que alguém possa abortar com base neste conceito. A ser assim, toda mulher que seja íntegra e consciente com a sua moral não permite que existam gravidezes indesejadas as quais possam levar a um aborto com base neste fundamento. Paralelamente, suponho que são esquecidas duas realidades importantes: a possibilidade de objecção de consciência por parte do médico que irá realizar o aborto, assim como o facto de, e por razões de perseguição social principalmente no interior, muitas mulheres não possam recorrer aos serviços de um estabelecimento de saúde legalmente autorizado levando, em consequência ao aborto clandestino. Quanto ao primeiro aspecto. Tanto os aqueles que defendem a despenalização do aborto, como aqueles que se opõem, esquecem-se deste aspecto. Assim, pode muito bem acontecer que o médico que se encontra na iminência de poder realizar um aborto entender, e com base na sua consciência, que a prática daquele acto médico vai contra os seus princípios. É uma situação perfeitamente possível de acontecer. E qual é a solução? Encontrar um médico que esteja disponível a realizálo, seja num estabelecimento de saúde legalmente autorizado ou não, ou então obrigar o médico objector de consciência a praticar aquele acto médico. Entendo que se deva respeitar a posição daquele profissional de saúde. Agora, e quanto ao segundo aspecto. O meu maior receio não é a realização de abortos em estabelecimentos de saúde legalmente autorizados nos grandes meios urbanos, mas antes nos do interior. Em locais onde a comunidade e a sociedade local seja reduzida, e que por isso possam penalizar socialmente a mulher que aborta. Será uma dupla penalização. Como se já não bastasse o facto de abortar, a própria comunidade censura-a do ponto de vista social pela prática do aborto. São dois aspectos sobre os quais importa reflectir, pensar e discutir, não se cingindo apenas a discussão do aborto aos conceitos tradicionais: o início da vida e o direito da mulher ao aborto. Estes dois conceitos são a base, mas existe muito mais para além destes como tentei demonstrar. Finalmente, importa esclarecer que, e com estas breves notas, não pretendo demonstrar que sou a favor ou contra a despenalização do aborto. Muito pelo contrário. Tal como supra referi, estou indeciso. Mas aquilo que pretendo é contribuir para a discussão com estes elementos que entendo que possam ser úteis.















